O condenado coxeia na calçada representa tropeça enquadrado se cobre de máscaras adquiridas em combate ao nascer contra a cor vigente contra o cair de tantas tardes desmorona o soco faz falsearem os sentidos o condenado por todas as leis muitas delas escritas na carne
Tecido dourado e duro para as omoplatas costas abertas navegantes cansados tesouras maquinário têxtil industrial o frio é transposto no andar indiferente morto dispersas as pessoas já cospem no outdoor deposto semana passada
Desci a ladeira ao lado de um infeliz era de manhã o céu todo poluído de azul lascado de nuvens de nada importa o deserto o bolso finito e jeans a camisa do flamengo era o canto torto das calçadas que eu entoava
Peça ao taxista para te deixar no cruzamento
peça
caminhe voluntariosamente
de encontro
ao fluxo
violeta minueto de buzinas
longe da praia
ainda se ouve
a moça cantar
um jovem casal foi assassinado esta manhã
no Maranhão
em Porto Rico
em São Cristóvão
meus olhos estão cheios de imagens
cheios da letra da página do assunto da esquina
da cólera
Você fala
e
na verdade
eu baixo os olhos
aqui de camisa catraca e sinal fechado
vacilo no verbo
imperativo
me escondo
insujeito
sujeitado
na cama estreita
vejo um luar de vidro
ouço o vento pelas frestas
ouço um grito
lá longe
entre outras pernas
Danço e aceno
um movimento leve
de cabeça
vorazes intenções
a música insinua um passo
pasteurizado
contínuo
e é como se não houvesse
subo um lance de escada
lanço uma carta
tudo perdido
entre os nomes das camisetas
selva de calças
sumindo
antecedo o toque a troca
o zíper
tento mais um passo
a marcha me espanta
calcifico
Foi preciso que fizessem
outra ponte
a anterior não levava a lugar algum
se perdia em seu arco de pedra e e concreto
e não era bela
a
nova em contrapartida
é encantadora
faz o trajeto simples
como um sorriso
ou um botão
de um lado ao outro do rio
e dá espaço
para grandes embarcações passarem
no seu ponto mais alto
mas
se me perguntassem
eu a explodiria
em mil pedaços
A crueldade
na tela espirrada em preto e branco
sombras pesadas de Lua
e duplicatas polaróides
livros sagrados
vende-se
vendas
para olhos fugitivos
derramamento de sangue
em murais muito reais
e coloridos
um corpo violado ignorado sob toldo de petróleo
Tudo morto
caminhões de carne enlatada em locomotivas
te pergunto
se houve neve
sobre a grama
você diz que não neva
em terras tropicais
e dança
tento em vão mostrar
que uma fila nua
ainda congela
em vielas
laterais
Escrevi com o dedo um samba no vidro
não era bom
um conjunto de rimas pobres
um refrão desencontrado
arranque de carros
transeuntes
rotatórias
queria fazer um samba sobre aquele dia na escada
mas acabei por criar uma caricatura
da mobília que eu imaginava
quando eu fazia planos
e você planejava a fuga
As lojas fecham
em geral
as sete
mas antes
os faróis fomentam sombras artificiais nos flamoyants
e toda a praça parece perniciosa
me encanto com a luz fria dos postes em torno
eu descansaria aqui se os bancos
não fossem tão frios
crianças correm sem cansaço
ainda
rabisquei um verso que a memória não acessa
levanto porque tenho compromisso
faço isso rápido para afogar um passo de dança
Escuto o roçar
cheio de palavras
das patas dos pombos na praça
em volta do milho
velho
entornado a terra pelo pipoqueiro
nada disto
é símbolo para além do átomo
entretanto insiste um história
em cada ladrilho
cinza branco preto
a verdadeira crônica dos passosa
que conjugam em si a insignificância
colorida
do dia
A cor cintila caminho no centro
entre pequenas montanhas
ressecadas
uma fonte de água
para um romance corroído
perseguição e morte
longe dos semáforos futuros
tiros extemporâneos
a terra arde
em letra de imprensa
teu nome estouraria a tela
sem sombra de
dúvida
Limpador de para-brisas para
enxergar melhor as lanternas
que piscam
indicando destinos curvas paradas suaves
bruscas
um canto pela máquina
o automóvel
através do retrovisor
faz todo o sentido
fizeram crescer a cidadezinha
hoje ela parece uma roupa mal cortada
enxertos de aço sobre a mornidão
desejo em argamassa
potencialmente destrutivo
uma hora
explode
uma certa sede
lateja no fundo da jarra
vazia
e na verdade eu não tenho por que
pedir perdão
Basta que se repita
necessariamente umas tantas vezes
para que se crie uma crível palavra
que viajará do lábio ao ouvido
e na garganta e no tempo
só amei mesmo em novembro
me lembro
é claro
dos dias ensolarados mas que reservavam
à tarde
um vento frio
que seria
talvez
anúncio de um janeiro chuvoso
basta que se esbarre
no crivo cúmplice da memória crápula
para que se escape da camisa e do incenso
e se deite novamente
nos braços da cadeira de ferro
que fazia um barulho nitidamente impróprio
quando eu olhava pra você
Pequena alucinação de paraíso
desenhada em quadradinhos de barro
talvez tênues
demais
para tarefa tão pouco
nobre
retratos em fila três por quatro
palco para a marcha
pichação poema chacina
no fim de tarde
subida
descida
são os ramos secos
das amendoeiras
expatriadas
não pertenço ao teu panteão
só o cimento no sangue me interessa
Manancial de viadutos
azul
e
então
cinza e verde
sem mística ou mágica
só tua cara desmaquiada
te desmascara o pedinte
você cobre com véu
vim rever teu veneno
a música não parou
ainda cantam todo dia
nessa loucura de esquecer
comum a todos nós
não
obrigado
não quero doces nem rosas
faz muito tempo que não frequento está neblina
me deixe a sós
para que o tumulto e a verdade me violem
Eu não sabia o caminho da Central
me confundia nos corredores
haviam tantos assaltos a noite
e ainda devem haver
faz mais de ano que não te vejo
prometo que farei visita rápida
toda essa tua máquina ambígua
voltas e voltas
vertigens num vestido turvo
e roto
feito de restos em manufatura medíocre
em outra época te olhei nos olhos
hoje me sirvo de fotografias dos outros
você ao fundo
quase sinto teu cheiro intercalado
de maresia esgoto concreto e Sol
arquedutos portões porões jardins
todas essas tuas tentativas
de maquiagem
que
no escuro
ganham o brilho da pele oleosa dos que te percorrem
indiferentes à dádiva amarga
de te possuírem
Transcreva neste tratado
por favor
todos os teu vícios
em ordem de intensidade
ou alfabética decrescente
sê consciencioso suprima o sarcasmo
e a nota triste
do violão
na volta da viagem
desci do prédio em frente a passarela
venderam os olhares e compraram pedras
com lucro visível
A impossível história da calçada antiga
mulheres homens
hoje blocos de nota
o trote do arrependimento na madrugada de sábado
um suspiro de frio
medo no vestido
lar
e as bolas que rolaram
copos contratos de casamento cadernos
partidos
o olhar que denuncia
um trejeito cala a marcha dos executivos
antes
vestidos de chapéu
agora
de ódio
um acorde um papel de bala a criança quase morta
chicletes
e o vazio
entre um passo e outro
conde-
nação
Uma analogia válida
é a dos motores de carro cada vez
mais potentes mas presos no grande trânsito
da cidadela
obviamente não tem fim
meu gosto antigo
a tarde
pelas cinco horas
passos ao pasto de asfalto a espera
da noite
e seu falso infinito
as vozes
assoreando os prédios por dentro
por fora
se vende quase tudo
por essa lógica
um pouco mais tarde
você me vendeu casa mobílias uma cama de madeira
que perderam o valor diante do voo
ou talvez fosse mesmo um cheque sem fundo
Tome o exemplo de uma árvore
ao pôr-do-sol
seus galhos e folhas traçam no solo sombras indecisas
o tronco guarda
indiferente
os afrescos hoje inidentificáveis das mãos
costas e cabelos
que a tocaram regularmente
todos esses anos
história que nossos olhos não vêem
das calçadas retiramos as ávores
para que haja espaço
para o depósito de outros seres
cujo relato
igualmente ignoramos
A gota de suor banha o asfalto
toda a rua marcha
num passo
desencontrado
esta é a hora mais imprópria para se importar com um verso
as pessoas se preocupam com barbarismos além das venezianas
quando
no aconchego do sofá da sala
Calígula masca chicletes
e assiste o jogo de quarta-feira
não quero que meu testamento seja um poema
esta escolha eterna entre
rosas e tijolos
quero deixar algo pequeno
mas tangível
que transmita
em seu corpúsculo
esse algo que meus olhos viram nos teus
e que não me deixa
O dia foi de verão mas já é quase maio
não enxergo bem na claridade
característica
que
talvez
explique a pregressa incapacidade de apreciar teu corpo
durante o dia
viemos todos de uma longa linhagem
guerras trânsito folhas secas de parreira
se misturam no sangue
criam a vertigem que chamamos lar
realidade
ainda há algo para dizer
tua nova cara fantoches de louça preços do ouro prisões
mas o verso vacila frente às células
ou sou eu mesmo que sempre fui mudo
arbitrário bufão
Queria poder falar de flores o tempo todo
nada me impede
falo assim porque construíram uns prédios novos
na rua da minha casa
um condomínio bonito
mas posso ver
da minha janela
que não há jardins entre suas casas de paredes texturizadas pintadas de marrom pálido
O olho muito aberto toca e retira escamas
armadilhas
todas elas
passeio com as pálpebras perto do toque
vejo
assim
transformadas
as pedras em pequenas estrelas
Da minha porta tenho que sentir esse fraco cheiro de maresia
imaginar o aleatório resfolegar das ondas
algumas bonitas
outras
nem tanto
como na vida é o tempo
tenho muitas perguntas a te fazer
meu caro senhor
mas não sei onde elas começam
e
infelizmente
conheço o fim da nossa conversa
este teu famoso silêncio
que deixa os poetas rodopiando atrás de janelas para cantar
gostaria de terminar estes versinhos
com uma canção sobre aqueles sorrisos
mas nunca soube olhar com paixão o arco da boca
estava mais preocupado com o vazio entre os copos
Não há metáfora melhor que a formiga
seu fluxo
sem fim
sua morte já previamente conhecida
por quem as observa passar
titubiando
entre os móveis da cozinha
nos levantamos
nos reconhecemos no espelho torto do banheiro
a cara incompleta e constrangida suplica
mas nos revemos pouco durante o dia
algo
na vida cotidiana
nos anuvia os olhos
hoje
a tarde
olhei por alguns minutos os barcos no cais a espera
senti santa inveja
quando comparei meu cinto de segurança ao vaivém da maré
O flash desconecta o gesto do tempo e segue o segundo passado ao segundo seguinte
a boca morde o ar
e é o vazio que revela na imagem
que teu rosto perece
cada membro infinito
inscrito
cada palavra pensada
envelhece
tua foto se esquece se enruga
a toalha vermelha enaltece e enxuga
teu corpo paralisado na morte do instante
Confundi teu nome
é que outro não e saía da cabeça
é que eu me perco
no caminho
do relâmpago ao som
e as palavras se misturam às coisas
todas flores conhecem a minha narina
pintei nos túneis pétalas incompletas
nunca dou fim a nada
por isso o roteiro da minha vida anda tão longe
encarnado nos passos de um outro número
panela cruz cravo avião
faço esse inventário das coisas que sei
para sempre saber o passado das ruas e reconhecer
os ícones que conduzem o caminho
fecho os meus olhos
mas abro rápido para esquecer o passeio da mão nos seus cabelos
Tenho um corte na mão
já não sangra
mas me impede de realizar alguns ofícios
e me perturba muito a noite
quando o vento bate forte
e balança os espelhos
me pergunto
constantemente
se devo por a chaga entre os pertences que você não coletou na tua grande partida
você deixou muitas coisas
pequenos entalhes de pedra
que eu pus numa caixa atrás da cortina
no resto do tempo sou quase como os outros
observo sem profundidade a fulgacidade dos nomes
mas
geralmente a noite
tenho todos os rostos
atravesso o velho livro como uma espada
alguns minutos
em seguida guardo a chave e volto a ser cativo
Um corpo veloz
velocista
cheio de cores
eu te vi em alguma dessas ruas
teus olhos cantavam uma melodia
que eu não reconheci
a princípio
um passo dentro do templo
gosto do cheiro de incenso
enquanto imagino quantas poças estão nos sapatos
o canto sagrado se mistura a eletricidade
eu
no meu canto
te saúdo com a mão estendida refletida na pedra do chão
meu pensamento
sem metáforas
é um grande prédio de apartamentos
no instante da demolição
Não podemos fugir
tudo em volta se repete
a palavra volta como soco a boca
caio sobre a minha sombra
tropêço infinito de todos os dias
o suor alivia a dor da pele sempre pedinte
guardo apenas um nome no fundo da garganta
e tudo o que eu falo leva esse valor de reminescência ou anunciação
sob os meus sapatos a lama cotidiana
e no alto da cabeça esse peso a mais que é o verso
no mais tudo é tentativa
vazio escorado na porta
esse vão
que me mantém a noite a noite acordado com pavor do dia
Dirigiu atentamente os olhos na direção errada
ainda assim a verdade queimou suas pálpebras
o vento de todas as tarde batia nas palmeiras
enquanto as pedras da orla já não podiam mover-se
indefinidamente
olho seguidamente para o caminho traçado
mesmo assim tropeço nos meus pés que estão muito longe
todas as tardes um Sol diferente se põe no fim da praia
mas eu só consigo assistir o balé da areia no vento
A vida já vai lá longe
às costas de um cavalo
observo de longe sua corrida anônima
perdi também meu gesto nobre
sento à mesa com homens imaginados
só existi num passado remoto
persigo a existência num futuro próximo
encho meu copo na ficção e na lembrança
me sinto furtado por algum desses Betos
presos na minha nostalgia
passar a limpo as miudezas do dia
tarefa tentadora mas inútil
hesito sem vontade de atravessar esta rua
e me jogar sobre a máquina que tanto bajulo e desprezo
Tenho andado seco
a boca e os dedos áridos avançam tentando
provocar as nuvens para que tempesteiem meu corpo pardo
o morto estava num canto da sala
todos os que chegavam lhe faziam uma saudação fugaz
todos sabiam da sua morte há muitos anos
e regurgitavam suas anedótas nas paredes enquanto a avenida crescia em torno deles
com seus muros seu carros seu esgoto
a avenida é implacável
como um tiro na cabeça
normalmente as quintas-feiras
me lembro
das sombras que a persiana intercalava
sobre teu peito liso
Não me negue
senhor
esse cálice
deixe que ele seja comigo
seja pele órgão braço
aos que fugiram tenho dito muito pouco
tenho medo que vejam as novas flores que eu plantei
e que as pisem
vestidos de roupas tão tentadoras
caminho muito sozinho
mesmo ao lado de visitantes circunstanciais
que não percebem que no meu gesto fútil
no meu discurso fútil
no meu passo fútil
hoje nasce um novo Sol
Na festa fiquei vazio
de mim e de todo o resto
escrevi por extenso um número na cabeça
em vórtice
disse qualquer coisa bonita
ao rapaz que não sabia
se ia ou se ficava
para ver a queda infinita dos meus olhos
me olho no espelho e me reconheço sim senhor
boca confusa quase vermelha
esse nariz fadado ao fracasso
ainda tive pouco tempo para o prepado do teu relatório
mas consegui muitos avanços na área de troca de nomes
já com os outros moços permaneci mudo mas com algum estranho charme
Ando fascinado com a ideia do nosso reencontro velho amigo
deito-me costumeiramente sozinho
assento a cabeça no travesseiro
e vejo teu rosto
por trás da retina
a madrugada se desfaz em pequenos objetos na calçada fria ou pendurados em postes
como bandeiras
um resto de salto uma gota de suor
um anel
mas eles perdem seus nomes
na enxurrada de luz do dia
enquanto espero teu abrigo
conto as horas como se fossem estrelas
assim mostro ao meu corpo
quanto tenho sofrido longe do tempo
não este estúpido tempinho burguês que o relógio encerra
mas o grande tempo que nos rasga a carne
e nos afunda sem remédio
num inferno de flores
Persigo o tom de amarelo
que combina com as tuas costas
eu disse e virei do avesso
encarei o vazio na janela do quarto
há um escuro
uma sombra de pedra que adormece o centro da cidade em cinzas
eu gostaria de fugir desse cheiro de sal
mas todos os dias me lavo ponho uma roupa que não me serve e lambo a poeira das calçadas
há uma certa dignidade nessa senhora
ela anda com os olhos de quem foge há muitos anos
e sua roupa desenha torpedos nos satélites
não segure a minha mão pois ando muito cansado
queria a sorte dos pintores e violinistas
já que não há escola que te prepare para os terrores de uma palavra
Converso um pouco
meço minhas palavras e o café de algumas tardes
para que meus olhos me obedeçam
a noite
uma canção para cada dia
ou o barulho das máquinas
afogando as paredes
planejo longamente minha cinebiografia
haverá dança e gargalhadas
e o público sairá satisfeito
de ver a miséria tão sabiamente transformada em cores
as cores em som
em tremeluzia
mas não posso controlar estas flores tortas
que nascem na calçada todo dia
lembrança constante da vida
tão claramente a frente
alongo este verso até que estejam mortas todas as begônias e rosas do jardim
e suspiro com saudade
enquanto finjo dançar pra que tu me queiras bem
Não caminho cabisbaixo pela rua
não há tristeza nos meus passos
nem se adivinha uma lágrima subjacente
no tremor inconstante da minha voz
sob as pálpebras não pressentiriam meus segredos
se por acaso observassem meu sono tranquilo
mas apesar disso tudo desmorono
olho para o lado e sorrio aos companheiros
aos poucos que sobraram e suportam meu abismo
ou o desconhecem ou me desconhecem ou secretamente
me desprezam o que seria também compreensível
nas noites chuvosas e nas noites estreladas
me cubro de arte e martírio
mas ao meio dia não provoco suspeitas
A noite aspergida nos muros nos prédios
as calçadas são tobogãs para a sarjeta
você carrega teu corpo devagar em frente aos bares
os olhos pesados a testa em chamas
o tumulto de palmas me leva a loucura
fecho meus olhos e procuro a canção
que eu deixei molhada na mesa fria de ferro
o tempo passa rápido quando estou no teu devaneio
longínqua amiga tua lembrança me consome
- a água escorre inexorável para o ralo
as luzes piscam nas portas e te chamam-
longe das estrelas até dá pra se esquecer
que na verdade não somos parte da peça
que ensaiamos desde quando abrimos os olhos
Todos os dias reponho as pedras no muro caído
é um trabalho sem esperança
com os olhos turvos do sal me levanto
e admiro a tarde que avança
sob meus cabelos hão de nascer novas flores
suplantarão as velhas pontes reviverão os quadros
ainda tenho boa voz de barítono
apesar do lábio já um tanto cansado
enquanto isso as vozes das portas
se colocam empertigadas
coletam apostas sobre minhas idas e vindas
e é mesmo uma completa verdade
que eu sou um pêndulo na casa vazia
com os cães em volta vacilando em vigília
Diurna As viúvas de preto as flores de vermelho as avenidas de cinzas os armários de mogno as caroças de passos lentos sob o sol de verão a tempestade as gaivotas os gritos na casa da morta o sino do meio dia a cabeça se esvazia o pó da calçada rasga a pupila dilatada as sementes de milho as colheitas de trigo os nomes esquecidos os hospitais os incêndios devorando no caminho até a voz guardada no fosso da memória
A vida avança pelas beiradas
pelos becos e vielas meu passo
a cidade é vazia de mim por todos os lados
a cidade entre vidros e lágrimas
a cidade partiu meu coração
os teu olhos fingiram estrelas
o teu corpo simula verões
a vida sem signos percorre meus poros
costura minha pele meus ossos no chão
Me espreita arranhando telhados
dou voltas e voltas com meu corpo em chamas
degola de toda calma gritar com os dedos
gritar pelas pedras pelas tintas pelas cores
a vontade passa quando há claridade
quando consigo ver teu corpo desaparece
teu peito branco como um pesadelo
teus olhos negros como a pele que me esconde
sempre há flores no jardins da culpa
seus matizes doem os olhos até a nuca
num corte abaixo pressinto a lama
amar e morrer viciar-se na sinuca
a voz cresce como pelos e machuca
disfarçada no teto uma vícera te chama
A pequena esfera encerra cores absurdas
os hieróglifos invisíveis das palmas
revesou seu significado entre moedas e sentenças
também foi o presente para alcelmos e dirceus
continuou no mundo por obrigação de matéria
continuou a vista por força da circunstância
sua substância tênue resvalou a sarjeta e inúmeras fogueiras
inconsciente é claro de seu destino e história
tal qual seus companheiros
na plateleira do antiquário