segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O Condenado



O Condenado



O condenado coxeia na calçada
representa
tropeça
enquadrado
se cobre de máscaras
adquiridas em combate
ao nascer contra a cor vigente
contra o cair de tantas tardes
desmorona
o soco faz falsearem os sentidos
o condenado por todas as leis
muitas delas
escritas na carne



segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Palavra Silêncio




Palavra Silêncio



Comando à mão
palavrório
fácil
acesso de tosse
tufão e copo na quina
da mesa
deixa entrever o baixo ventre
de quem não me deseja

quando destruíram minhas docas
eu me guardava no guarda-chuvas ensopado
eu tinha muito o que contar naquela época
hoje estou mudo



quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Tecelagem



Tecelagem



Tecido dourado e duro
para as
omoplatas
costas abertas navegantes cansados
tesouras
maquinário têxtil industrial
o frio é transposto
no andar indiferente
morto
dispersas
as pessoas já cospem
no outdoor deposto
semana passada



domingo, 30 de agosto de 2015

Balada




Balada


Desci a ladeira ao lado de um infeliz
era de manhã
o céu todo poluído
de azul lascado
de nuvens
de nada importa o deserto
o bolso finito e jeans
a camisa do flamengo
era o canto torto das calçadas
que eu entoava



sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A Mão






A Mão


A mão que pune o olho
observa
o corpo
ressente
reacende dor

guardo
no armário do quarto
todas as armaduras

este
não
não
aquele
sempre outro
ouro de qualquer
um

as invasões pisos pás pés
estupro
a porta
sempre fechada
reverbera




domingo, 9 de agosto de 2015

I




I


Peça ao taxista para te deixar no cruzamento
peça
caminhe voluntariosamente
de encontro
ao fluxo
violeta minueto de buzinas
longe da praia
ainda se ouve
a moça cantar

um jovem casal foi assassinado esta manhã
no Maranhão
em Porto Rico
em São Cristóvão
meus olhos estão cheios de imagens
cheios da letra da página do assunto da esquina
da cólera





terça-feira, 4 de agosto de 2015

Fala






Fala



Você fala
e
na verdade
eu baixo os olhos
aqui de camisa catraca e sinal fechado
vacilo no verbo
imperativo
me escondo
insujeito
sujeitado
na cama estreita
vejo um luar de vidro
ouço o vento pelas frestas
ouço um grito
lá longe
entre outras pernas




quinta-feira, 30 de julho de 2015

Estátua e Número





Estátua e Número


Danço e aceno
um movimento leve
de cabeça
vorazes intenções
a música insinua um passo
pasteurizado
contínuo
e é como se não houvesse
subo um lance de escada
lanço uma carta
tudo perdido
entre os nomes das camisetas
selva de calças
sumindo
antecedo o toque a troca
o zíper
tento mais um passo
a marcha me espanta
calcifico




sábado, 18 de julho de 2015

Morada




Morada




Restos da festas  invisíveis na ardósia
o que passou nos afoga
sem remédio

cubro as paredes internas de cinza
descobri
recentemente
que não preciso de respostas

em ritmo desarmonioso
se alinham as construções no tempo
temos em comum
com os alicerces
a destruição

fale comigo
qualquer dia desses
vou te mostrar um tufão frígido
esse lar que eu conheço





quarta-feira, 8 de julho de 2015

Lápis




Lápis



O lápis
arisco lento
lasca e fere a página parcialmente branca do caderno
e então um verso
fratura língua
incorreção

uma flor impura
nasceu num canto da sala
inventaram muitos nomes para esquecê-la
porém o perfume patina e rodopia
sem respeito
cantando canções de dor

e os caminhões atropelam artistas em decadência
fenômeno que pode ser claramente observado
pela fadiga azul
da televisão




sábado, 4 de julho de 2015

Poema do Sol






Poema do Sol


Poderia ter chovido a tarde toda então eu teria
um poema aconchegante
diplomático
para te oferecer com biscoito e café
no entanto
fez um Sol vitorioso
e minha cabeça era um campo de guerra
mesmo
enquanto estive sentado
com os olhos por cima do milharal
de outras cabeças melhores
ou
talvez
tão impudicas quanto

tenho um estoque limitado
primitivo
de mentiras para por na escrita
em compensação tenho muitas verdades

que não merecem ser lidas






quarta-feira, 1 de julho de 2015

Soneto Infinito




Soneto Infinito




De repente
você hesitou
e eu já estava na contramão
desde o cruzamento anterior

da
vontade à voz
tudo se partindo
sem remédio e sem fim

encontrei o perfume ainda no frasco
pouco antes de atingir a pele
e tornar público

quebras de perspectiva espaçonaves pavões
glossário manchado do frio pavimentado
na estrada federal





sábado, 27 de junho de 2015

Nova Ponte




Nova Ponte



Foi preciso que fizessem
outra ponte
a anterior não levava a lugar algum
se perdia em seu arco de pedra e e concreto
e não era bela
a
nova em contrapartida
é encantadora
faz o trajeto simples
como um sorriso
ou um botão
de um lado ao outro do rio
e dá espaço
para grandes embarcações passarem
no seu ponto mais alto
mas
se me perguntassem
eu a explodiria
em mil pedaços




terça-feira, 23 de junho de 2015

Crueldade





Crueldade



A crueldade
na tela espirrada em preto e branco
sombras pesadas de Lua
e duplicatas polaróides
livros sagrados
vende-se
vendas
para olhos fugitivos
derramamento de sangue
em murais muito reais
e coloridos
um corpo violado ignorado sob toldo de petróleo




sábado, 20 de junho de 2015

Lobo Próximo




Lobo Próximo



Tudo morto
caminhões de carne enlatada em locomotivas
te pergunto
se houve neve
sobre a grama
você diz que não neva
em terras tropicais
e dança
tento em vão mostrar
que uma fila nua
ainda congela
em vielas
laterais




terça-feira, 16 de junho de 2015

Batuque




Batuque





Escrevi com o dedo um samba no vidro
não era bom
um conjunto de rimas pobres
um refrão desencontrado
arranque de carros
transeuntes
rotatórias
queria fazer um samba sobre aquele dia na escada
mas acabei por criar uma caricatura
da mobília que eu imaginava
quando eu fazia planos
e você planejava a fuga




domingo, 7 de junho de 2015

Praça 2

Praça 2





As lojas fecham
em geral
as sete
mas antes
os faróis fomentam sombras artificiais nos flamoyants
e toda a praça parece perniciosa
me encanto com a luz fria dos postes em torno
eu descansaria aqui se os bancos
não fossem tão frios
crianças correm sem cansaço
ainda
rabisquei um verso que a memória não acessa
levanto porque tenho compromisso
faço isso rápido para afogar um passo de dança

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Praça

Praça




Escuto o roçar
cheio de palavras
das patas dos pombos na praça
em volta do milho
velho
entornado a terra pelo pipoqueiro
nada disto
é símbolo para além do átomo
entretanto insiste um história
em cada ladrilho
cinza branco preto
a verdadeira crônica dos passosa
que conjugam em si a insignificância
colorida
do dia

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Sinopse



Sinopse




A cor cintila caminho no centro
entre pequenas montanhas
ressecadas
uma fonte de água
para um romance corroído
perseguição e morte
longe dos semáforos futuros
tiros extemporâneos
a terra arde

em letra de imprensa
teu nome estouraria a tela
sem sombra de
dúvida







quarta-feira, 3 de junho de 2015

Crônica 2




Crônica 2




O sinal acende
retas retornos
vias de mão dupla congestionadas
às três da tarde
para todos
sem exceção subordinados
a vontade da polis

minha rua hoje é de paralelepípedos
cobriram o barro
puseram pedrinhas
e eu acho bonito olhar pela tela
os desertos das peles
se encontrando
sem
razão

consertei os óculos
mas não consigo ver com clareza
tenho um rosto tatuado nas retinas





terça-feira, 2 de junho de 2015

Crônica




Crônica



Limpador de para-brisas para
enxergar melhor as lanternas
que piscam
indicando destinos curvas paradas suaves
bruscas
um canto pela máquina
o automóvel
através do retrovisor
faz todo o sentido

fizeram crescer a cidadezinha
hoje ela parece uma roupa mal cortada
enxertos de aço sobre a mornidão
desejo em argamassa
potencialmente destrutivo
uma hora
explode

uma certa sede
lateja no fundo da jarra
vazia
e na verdade eu não tenho por que
pedir perdão




segunda-feira, 1 de junho de 2015

Criação

Criação




Basta que se repita
necessariamente umas tantas vezes
para que se crie uma crível palavra
que viajará do lábio ao ouvido
e na garganta e no tempo

só amei mesmo em novembro
me lembro
é claro
dos dias ensolarados mas que reservavam
à tarde
um vento frio
que seria
talvez
anúncio de um janeiro chuvoso

basta que se esbarre
no crivo cúmplice da memória crápula
para que se escape da camisa e do incenso
e se deite novamente
nos braços da cadeira de ferro
que fazia um barulho nitidamente impróprio
quando eu olhava pra você





domingo, 31 de maio de 2015

Distância




Distância



Pequena alucinação de paraíso
desenhada em quadradinhos de barro
talvez tênues
demais
para tarefa tão pouco
nobre

retratos em fila três por quatro
palco para a marcha
pichação poema chacina
no fim de tarde
subida
descida
são os ramos secos
das amendoeiras
expatriadas

não pertenço ao teu panteão
só o cimento no sangue me interessa





sábado, 30 de maio de 2015

Musarsênico



Musarsênico




Manancial de viadutos
azul
e
então
cinza e verde
sem mística ou mágica
só tua cara desmaquiada
te desmascara o pedinte
você cobre com véu
vim rever teu veneno

a música não parou
ainda cantam todo  dia
nessa loucura de esquecer
comum a todos nós

não
obrigado
não quero doces nem rosas
faz muito tempo que não frequento está neblina
me deixe a sós
para que o tumulto e a verdade me violem





sexta-feira, 29 de maio de 2015

Visitinha





Visitinha




Eu não sabia o caminho da Central
me confundia nos corredores
haviam tantos assaltos a noite
e ainda devem haver
faz mais de ano que não te vejo
prometo que farei visita rápida
toda essa tua máquina ambígua
voltas e voltas
vertigens num vestido turvo
e roto
feito de restos em manufatura medíocre
em outra época te olhei nos olhos
hoje me sirvo de fotografias dos outros
você ao fundo
quase sinto teu cheiro intercalado
de maresia esgoto concreto e Sol
arquedutos portões porões jardins
todas essas tuas tentativas
de maquiagem
que
no escuro
ganham o brilho da pele oleosa dos que te percorrem
indiferentes à dádiva amarga
de te possuírem




domingo, 24 de maio de 2015

Lista



Lista



Transcreva neste tratado
por favor
todos os teu vícios
em ordem de intensidade
ou alfabética decrescente
sê consciencioso suprima o sarcasmo
e a nota triste
do violão
na volta da viagem

desci do prédio em frente a passarela
venderam os olhares e compraram pedras
com lucro visível

e a letra de samba vai ficando obsoleta





quinta-feira, 21 de maio de 2015

Cançoneta de Concreto





Cançoneta de concreto



A impossível história da calçada antiga
mulheres homens
hoje blocos de nota
o trote do arrependimento na madrugada de sábado
um suspiro de frio
medo no vestido
lar
e as bolas que rolaram
copos contratos de casamento cadernos
partidos
o olhar que denuncia
um trejeito cala a marcha dos executivos
antes
vestidos de chapéu
agora
de ódio
um acorde um papel de bala a criança quase morta
chicletes
e o vazio
entre um passo e outro
conde-
nação





quarta-feira, 20 de maio de 2015

Medidas




Medidas



Uma analogia válida
é a dos motores de carro cada vez
mais potentes mas presos no grande trânsito
da cidadela

obviamente não tem fim
meu gosto antigo
a tarde
pelas cinco horas
passos ao pasto de asfalto a espera
da noite
e seu falso infinito
as vozes
assoreando os prédios por dentro
por fora
se vende quase tudo
por essa lógica
um pouco mais tarde
você me vendeu casa mobílias uma cama de madeira
que perderam o valor diante do voo
ou talvez fosse mesmo um cheque sem fundo




terça-feira, 19 de maio de 2015

Voz sem peso




Voz sem peso



Tome o exemplo de uma árvore
ao pôr-do-sol
seus galhos e folhas traçam no solo sombras indecisas
o tronco guarda
indiferente
os afrescos hoje inidentificáveis das mãos
costas e cabelos
que a tocaram regularmente
todos esses anos
história que nossos olhos não vêem
das calçadas retiramos as ávores
para que haja espaço
para o depósito de outros seres
cujo relato
igualmente ignoramos

domingo, 17 de maio de 2015

Vapor



Vapor



A gota de suor banha o asfalto
toda a rua marcha
num passo
desencontrado
esta é a hora mais imprópria para se importar com um verso

as pessoas se preocupam com barbarismos além das venezianas
quando
no aconchego do sofá da sala
Calígula masca chicletes
e assiste o jogo de quarta-feira

não quero que meu testamento seja um poema
esta escolha eterna entre
rosas e tijolos
quero deixar algo pequeno
mas tangível
que transmita
em seu corpúsculo
esse algo que meus olhos viram nos teus
e que não me deixa

sábado, 16 de maio de 2015

Coliseu



Coliseu




Na mente cidades
pistas tortas tropas trocas crianças
a passeio
mesmo assim a língua encontra a carne de concreto nas vias transversais

tento ver na TV
o teu amor
mas
aparentemente
tudo foi afogado na bárbarie da Paulista domingo à tarde

um retrato
que eu perdi
ainda procura saída
numa rima de botequim






sexta-feira, 15 de maio de 2015

Quase maio



Quase maio



O dia foi de verão mas já é quase maio
não enxergo bem na claridade
característica
que
talvez
explique a pregressa incapacidade de apreciar teu corpo
durante o dia

viemos todos de uma longa linhagem
guerras trânsito folhas secas de parreira
se misturam no sangue
criam a vertigem que chamamos lar
realidade

ainda há algo para dizer
tua nova cara fantoches de louça preços do ouro prisões
mas o verso vacila frente às células
ou sou eu mesmo que sempre fui mudo
arbitrário bufão





quinta-feira, 14 de maio de 2015

Condomínio



Condomínio




Queria poder falar de flores o tempo todo
nada me impede
falo assim porque construíram uns prédios novos
na rua da minha casa
um condomínio bonito
mas posso ver
da minha janela
que não há jardins entre suas casas de paredes texturizadas pintadas de marrom pálido





quarta-feira, 13 de maio de 2015

Caminhada



Caminhada




O olho muito aberto toca e retira escamas
armadilhas
todas elas
passeio com as pálpebras perto do toque
vejo
assim
transformadas
as pedras em pequenas estrelas

terça-feira, 12 de maio de 2015

Conversa de calças curtas




Conversa de calças curtas




Da minha porta tenho que sentir esse fraco cheiro de maresia
imaginar o aleatório resfolegar das ondas
algumas bonitas
outras
nem tanto
como na vida é o tempo

tenho muitas perguntas a te fazer
meu caro senhor
mas não sei onde elas começam
e
infelizmente
conheço o fim da nossa conversa
este teu famoso silêncio
que deixa os poetas rodopiando atrás de janelas para cantar

gostaria de terminar estes versinhos
com uma canção sobre aqueles sorrisos
mas nunca soube olhar com paixão o arco da boca
estava mais preocupado com o vazio entre os copos

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Metáfora




Metáfora



Não há metáfora melhor que a formiga
seu fluxo
sem fim
sua morte já previamente conhecida
por quem as observa passar
titubiando
entre os móveis da cozinha

nos levantamos
nos reconhecemos no espelho torto do banheiro
a cara incompleta e constrangida suplica
mas nos revemos pouco durante o dia
algo
na vida cotidiana
nos anuvia os olhos

hoje
a tarde
olhei por alguns minutos os barcos no cais a espera
senti santa inveja
quando comparei meu cinto de segurança ao vaivém da maré

domingo, 10 de maio de 2015

TV ligada três da manhã




TV ligada três da manhã




A TV ainda te fascina
do que você fala
desconheço
mas pressinto o frio

os carros já não correm tanto
conheço daquela tarde apenas o traçado
trôpego
dos postes pintados ao meio de branco

dentro da minha cabeça guardo cidades
todas elas
na cabeça e na pele
onde se misturam feridas e verbos

sábado, 9 de maio de 2015

Flash



Flash



O flash desconecta o gesto do tempo e segue o segundo passado ao segundo seguinte
a boca morde o ar
e é o vazio que revela na imagem
que teu rosto perece

cada membro infinito
inscrito
cada palavra pensada
envelhece
tua foto se esquece se enruga
a toalha vermelha enaltece e enxuga
teu corpo paralisado na morte do instante

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Um Outro Nome



Um Outro Nome




Confundi teu nome
é que outro não e saía da cabeça
é que eu me perco
no caminho
do relâmpago ao som
e as palavras se misturam às coisas

todas flores conhecem a minha narina
pintei nos túneis pétalas incompletas
nunca dou fim a nada
por isso o roteiro da minha vida anda tão longe
encarnado nos passos de um outro número

panela cruz cravo avião
faço esse inventário das coisas que sei
para sempre saber o passado das ruas e reconhecer
os ícones que conduzem o caminho

fecho os meus olhos
mas abro rápido para esquecer o passeio da mão nos seus cabelos

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Curativo



Curativo



Tenho um corte na mão
já não sangra
mas me impede de realizar alguns ofícios
e me perturba muito a noite
quando o vento bate forte
e balança os espelhos

me pergunto
constantemente
se devo por a chaga entre os pertences que você não coletou na tua grande partida
você deixou muitas coisas
pequenos entalhes de pedra
que eu pus numa caixa atrás da cortina

no resto do tempo sou quase como os outros
observo sem profundidade a fulgacidade dos nomes

mas
geralmente a noite
tenho todos os rostos
atravesso o velho livro como uma espada
alguns minutos
em seguida guardo a chave e volto a ser cativo

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Velociraptor



Velociraptor



Um corpo veloz
velocista
cheio de cores
eu te vi em alguma dessas ruas
teus olhos cantavam uma melodia
que eu não reconheci
a princípio

um passo dentro do templo
gosto do cheiro de incenso
enquanto imagino quantas poças estão nos sapatos
o canto sagrado se mistura a eletricidade
eu
no meu canto
te saúdo com a mão estendida refletida na pedra do chão

meu pensamento
sem metáforas
é um grande prédio de apartamentos
no instante da demolição

terça-feira, 5 de maio de 2015

Ministério



Ministério




Primeiro discurso como ministro do abismo
devore
por todos os poros
na função oposta da Baleia a Jonas

se jogue sobre mim
com teu tráfego tua trôpega
poeira
e seus jardins

abrace com os braços fétidos
dos mendigos escondidos na sombra do poste
abrace com uma chuva torrencial e ácida

me acalente com as mãos cansadas
me desgaste com teu gestuário bruto
me carregue no teu sangue como uma moléstia

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Variação



Variação




Não podemos fugir
tudo em volta se repete
a palavra volta como soco a boca

caio sobre a minha sombra
tropêço infinito de todos os dias
o suor alivia a dor da pele sempre pedinte

guardo apenas um nome no fundo da garganta
e tudo o que eu falo leva esse valor de reminescência ou anunciação
sob os meus sapatos a lama cotidiana
e no alto da cabeça esse peso a mais que é o verso

no mais tudo é tentativa
vazio escorado na porta
esse vão
que me mantém a noite a noite acordado com pavor do dia

domingo, 3 de maio de 2015

Um duplo



Um duplo

Dirigiu atentamente os olhos na direção errada
ainda assim a verdade queimou suas pálpebras
o vento de todas as tarde batia nas palmeiras
enquanto as pedras da orla já não podiam mover-se

indefinidamente

olho seguidamente para o caminho traçado
mesmo assim tropeço nos meus pés que estão muito longe
todas as tardes um Sol diferente se põe no fim da praia
mas eu só consigo assistir o balé da areia no vento

indefinidamente

sábado, 2 de maio de 2015

Trote


Trote




A vida já vai lá longe
às costas de um cavalo
observo de longe sua corrida anônima
perdi também meu gesto nobre
sento à mesa com homens imaginados

só existi num passado remoto
persigo a existência num futuro próximo
encho meu copo na ficção e na lembrança
me sinto furtado por algum desses Betos
presos na minha nostalgia

passar a limpo as miudezas do dia
tarefa tentadora mas inútil
hesito sem vontade de atravessar esta rua
e me jogar sobre a máquina que tanto bajulo e desprezo

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Secura


Secura




Tenho andado seco
a boca e os dedos áridos avançam tentando
provocar as nuvens para que tempesteiem meu corpo pardo

o morto estava num canto da sala
todos os  que chegavam lhe faziam uma saudação fugaz
todos sabiam da sua morte há muitos anos
e regurgitavam suas anedótas nas paredes enquanto a avenida crescia em torno deles
com seus muros seu carros seu esgoto
a avenida é implacável
como um tiro na cabeça

normalmente as quintas-feiras
me lembro
das sombras que a persiana intercalava
sobre teu peito liso

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Não me negue




Não me negue


Não me negue
senhor
esse cálice
deixe que ele seja comigo
seja pele órgão braço

aos que fugiram tenho dito muito pouco
tenho medo que vejam as novas flores que eu plantei
e que as pisem
vestidos de roupas tão tentadoras

caminho muito sozinho
mesmo ao lado de visitantes circunstanciais
que não percebem que no meu gesto fútil
no meu discurso fútil
no meu passo fútil
hoje nasce um novo Sol

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Fim de festa



Fim de festa



Na festa fiquei vazio
de mim e de todo o resto
escrevi por extenso um número na cabeça
em vórtice

disse qualquer coisa bonita
ao rapaz que não sabia
se ia ou se ficava
para ver a queda infinita dos meus olhos

me olho no espelho e me reconheço sim senhor
boca confusa quase vermelha
esse nariz fadado ao fracasso

ainda tive pouco tempo para o prepado do teu relatório
mas consegui muitos avanços na área de troca de nomes
já com os outros moços permaneci mudo mas com algum estranho charme

terça-feira, 28 de abril de 2015

Reencontro



Reencontro




Ando fascinado com a ideia do nosso reencontro velho amigo
deito-me costumeiramente sozinho
assento a cabeça no travesseiro
e vejo teu rosto
por trás da retina

a madrugada se desfaz em pequenos objetos na calçada fria ou pendurados em postes
como bandeiras
um resto de salto uma gota de suor
um anel
mas eles perdem seus nomes
na enxurrada de luz do dia

enquanto espero teu abrigo
conto as horas como se fossem estrelas
assim mostro ao meu corpo
quanto tenho sofrido longe do tempo

não este estúpido tempinho burguês que o relógio encerra
mas o grande tempo que nos rasga a carne
e nos afunda sem remédio
num inferno de flores

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Soneto 2


Soneto 2



Persigo o tom de amarelo
que combina com as tuas costas
eu disse e virei do avesso
encarei o vazio na janela do quarto

há um escuro
uma sombra de pedra que adormece o centro da cidade em cinzas
eu gostaria de fugir desse cheiro de sal
mas todos os dias me lavo ponho uma roupa que não me serve e lambo a poeira das calçadas

há uma certa dignidade nessa senhora
ela anda com os olhos de quem foge há muitos anos
e sua roupa desenha torpedos nos satélites

não segure a minha mão pois ando muito cansado
queria a sorte dos pintores e violinistas
já que não há escola que te prepare para os terrores de uma palavra

domingo, 26 de abril de 2015

Poema Contido




Poema contido




Converso um pouco
meço minhas palavras e o café de algumas tardes
para que meus olhos me obedeçam
a noite

uma canção para cada dia
ou o barulho das máquinas
afogando as paredes

planejo longamente minha cinebiografia
haverá dança e gargalhadas
e o público sairá satisfeito
de ver a miséria tão sabiamente transformada em cores
as cores em som
em tremeluzia

mas não posso controlar estas flores tortas
que nascem na calçada todo dia
lembrança constante da vida
tão claramente a frente

alongo este verso até que estejam mortas todas as begônias e rosas do jardim
e suspiro com saudade
enquanto finjo dançar pra que tu me queiras bem

sábado, 25 de abril de 2015

Seis da Tarde



Seis da Tarde




O trânsito de qualquer cidade
as linhas de fuga do meu sangue
aparelho excretor e cimento
simulo a madrugada na raiz dos meus pelos

há veneno nas paredes
de engano em engano cresci em volúpia
já nem mais te reconheço

numa mensagem fria
escrita no chão
Manoel deixou Clarice
e foi pular o carnaval
virou notícia de jornal

mas o que ninguém aplaude é a lágrima
é o medo
que rasteja todas as noites entre os teus seios

ninguém está realmente livre
se o invisível nos conecta

ligou o player no aleatório
e deixou que o caos da máquina esposasse o caos da noite que grita

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Corrente

Corrente



No sangue um negro
na pele um índio
no peito um fado

ou o sangue no Alentejo
as cicatrizes
nas costas
em cortejo
e o coração de quem foi roubado

se no samba me despenteio
se essa rima não planejo
partido alto e improvisado

é por que ainda sangra
esse meu corpo repartido
pelos meus sobrenomes surrado

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Joana e o Buraco




Joana e o Buraco




Joana encara o abismo
não será a primeira nem a última
a fugir
quando sua voz se dissipar
e eu por inteiro sorrir

na mesa de bar
onde esqueci meus cigarros
estava predito meu destino
na toalha molhada pelos copos
acredito nessas coisas

a memória da felicidade é este açoite
contamina até a mais comum das tardes
e olha que eu tranquei todas as portas
e pintei cruzes no chão da sala

mesmo assim não é fácil admitir
que o meu amor é este descarrilhamento
este desmoronamento sem fim
essa implosão

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Janela Nova




JANELA NOVA


Janela nova
de vidro
cortinas
que deixam entrever
o que não dá mais pra tocar

raiva e vazio
dentro do armário
dos olhos
sorrio pra você
ver meus dentes gastos

coragem não me falta
de me vestir de azul celeste
me sentar numa pracinha
e jogar dominó

mas alguma coisa aqui dentro não funciona
então me sento sozinho
com um poema na ponta dos dedos
e um sorriso
dolorido
na palma da mão

terça-feira, 21 de abril de 2015

A Máscara



A MÁSCARA


Não caminho cabisbaixo pela rua
não há tristeza nos meus passos
nem se adivinha uma lágrima subjacente
no tremor inconstante da minha voz

sob as pálpebras não pressentiriam meus segredos
se por acaso observassem meu sono tranquilo
mas apesar disso tudo desmorono

olho para o lado e sorrio aos companheiros
aos poucos que sobraram e suportam meu abismo
ou o desconhecem ou me desconhecem ou secretamente
me desprezam o que seria também compreensível

nas noites chuvosas e nas noites estreladas
me cubro de arte e martírio
mas ao meio dia não provoco suspeitas

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Noturno 4



Noturno 4

A noite aspergida nos muros nos prédios
as calçadas são tobogãs para a sarjeta
você carrega teu corpo devagar em frente aos bares
os olhos pesados a testa em chamas

o tumulto de palmas me leva a loucura
fecho meus olhos e procuro a canção
que eu deixei molhada na mesa fria de ferro

o tempo passa rápido quando estou no teu devaneio
longínqua amiga tua lembrança me consome
- a água escorre inexorável para o ralo

as luzes piscam nas portas e te chamam-
longe das estrelas até dá pra se esquecer
que na verdade não somos parte da peça
que ensaiamos desde quando abrimos os olhos

domingo, 19 de abril de 2015

Pedra



Pedra

Não me lembro de muitos nomes
ou das palavras que vieram antes ou depois
me recordo vagamente de gestos

não sei descrever caminhos
citar estradas
e tenho a estranha impressão de que não vão a lugar algum

sou doente de vento
tenho os pés abstratos
não sei ler placas

acordo sempre perguntando as paredes
quais palavras devo dizer
ao abrir a porta do quarto

sábado, 18 de abril de 2015

Soneto



Soneto

Todos os dias reponho as pedras no muro caído
é um trabalho sem esperança
com os olhos turvos do sal me levanto
e admiro a tarde que avança

sob meus cabelos hão de nascer novas flores
suplantarão as velhas pontes reviverão os quadros
ainda tenho boa voz de barítono
apesar do lábio já um tanto cansado

enquanto isso as vozes das portas
se colocam empertigadas
coletam apostas sobre minhas idas e vindas

e é mesmo uma completa verdade
que eu sou um pêndulo na casa vazia
com os cães em volta vacilando em vigília

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Diurna




Diurna

As viúvas de preto

as flores de vermelho
as avenidas de cinzas
os armários de mogno
as caroças de passos
lentos sob o sol de verão

a tempestade as gaivotas

os gritos na casa da morta

o sino do meio dia

a cabeça se esvazia

o pó da calçada

rasga a pupila dilatada

as sementes de milho

as colheitas de trigo
os nomes esquecidos
os hospitais os incêndios
devorando no caminho
até a voz guardada
no fosso da memória

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Sinos


 SINOS


A vida avança pelas beiradas
pelos becos e vielas meu passo
a cidade é vazia de mim por todos os lados
a cidade entre vidros e lágrimas
a cidade partiu meu coração

os teu olhos fingiram estrelas
o teu corpo simula verões
a vida sem signos percorre meus poros
costura minha pele meus ossos no chão

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Rendição


Rendição


Render-se
sob bandeiras sob lençóis
sob palavras
que traduzem verdades framentadas

o corpo ferido arde

compulsórios comprimidos
convulsionáveis

todos os homens morrem
todos os homens
todas as flores

rendidos até os ossos
até os fósseis

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Noturno 2

                                     
NOTURNO 2



A noite prossegue suja
no céu as caravelas lutam contra a maré
de estrelas
amareladas

no coração o som frio
do aço contra a pele
tudo tão distante e dolorido

as casas os homens os tanques de guerra
passeiam o meu corpo dos pés aos ouvidos

todos se agitam para a primavera

domingo, 12 de abril de 2015

Nascimento


                                       NASCIMENTO


O corpo que cai não é menos absurdo
nem menos triste

O corpo que cai não é menos tolo
nem menos belo

O corpo que cai também não é mais nada

com palavras escritas sob a pele
com relógios e bússolas hesitantes
com rotos gestos de paródia

a matéria eterna se lança da janela das possibilidades
e cai na calçada em chamas

absurdo tolo belo triste
e mais nada

sábado, 11 de abril de 2015

O Nome



Até tendo manter meus braços abertos
oh coro inacessível dos homens que veem

reconheço vossos labirintos
compartilho do vosso pão
mas não compro esse vinho

sob meus escombros não nascem girassóis

e por trás dos meus olhos
a cidade em pânico espera

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Soneto




Me espreita arranhando telhados
dou voltas e voltas com meu corpo em chamas
degola de toda calma gritar com os dedos
gritar pelas pedras pelas tintas pelas cores

a vontade passa quando há claridade
quando consigo ver teu corpo desaparece
teu peito branco como um pesadelo
teus olhos negros como a pele que me esconde

sempre há flores no jardins da culpa
seus matizes doem os olhos até a nuca
num corte abaixo pressinto a lama

amar e morrer viciar-se na sinuca
a voz cresce como pelos e machuca
disfarçada no teto uma vícera te chama

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Contra-Reforma

                             
  CONTRA-REFORMA



Quando os olhos se abriram
não havia mais nada

haviam levado as colchas a memória dos óbitos
predarias crianças futuras
e o fino bordado de um lábio franzido
num beijo que esperava atrás da porta

Quando finalmente arejaram a sala
perceberam que não havia mais nenhuma menina
olhando por longos minutos a parede borrada onde havia um rosto

Me pergunto se teriam encontrado um cordão ou um grão
que desenhasse os passos de dança
ou que contasse a história dos sorrisos

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Cinelândia


Cinelândia


Cidade de poros
sob os pés dos edifícios

triste fauna triste flora
de concreto de tábua
animais de aço auto motivados
pela secura

Cidade mucosa
atropelas tua língua na brisa dos cruzamentos

um senhor observa
absorve suas telas
os leds das tuas favelas

observa tua viva fonte severa
de uma nova cidade
no iluminar de uma treva

carregavam o corpo sob um holofote
tão frio
depuseram o peso dos pelos sobre o chão
tão frio

mas os olhos dos ônibus não tem lágrimas ou interesse

só uma menina na contempla da janela
o espetáculo da poeira de todo o dia
de todos os dias a cor e o perfume
dor e costume que um vestido escondia

um dia serei grão e rolarei docemente
sob os véus e sobre a pele
do teu corpo dormente

terça-feira, 7 de abril de 2015

ALEPH





A pequena esfera encerra cores absurdas
os hieróglifos invisíveis das palmas
revesou seu significado entre moedas e sentenças
também foi o presente para alcelmos e dirceus

continuou no mundo por obrigação de matéria
continuou a vista por força da circunstância
sua substância tênue resvalou a sarjeta e inúmeras fogueiras
inconsciente é claro de seu destino e história
tal qual seus companheiros
na plateleira do antiquário